No dia 16 maio de 2016 a cidade de Leicester e o mundo de futebol pararam. Isto porque o Leicester City Football Club consumou um verdadeiro conto de fadas. O maior feito da sua história e talvez da história da Premier League desde 1992 (data da reformulação na liga Inglesa).
É certo que aproveitaram uma temporada menos fulgurante dos principais candidatos ao título. Mas competência também é isso. A equipa comandada por Cláudio Ranieri manteve-se focada e foi de jogo em jogo até à conquista da (para muitos) liga mais competitiva do mundo.
Texto de José Silva

Foi na temporada de 2015/16 que o Leicester se mostrou ao mundo do desporto. Mas a sua viagem com destino ao topo do futebol Inglês começou antes.
Foi Nigel Person que (após a saída do mítico Sven-Göran Eriksson) pegou num clube de meia tabela na EFL Championship (segunda divisão Inglesa) e levou-o até à super competitiva Premier League. Foi também ele que construiu a grande maioria deste magnífico plantel que custou cerca de 55 Milhões de Euros.
Início do sonho
Após a subida ao Campeonato Mor de Inglaterra as coisas não correram de feição. Volvidas trinta jornadas na Premier League, os Foxes haviam amealhado apenas 4 vitórias. Mas o melhor estava guardado para o fim, para as oito jornadas finais. Quando já estavam com um pé e meio na 2ª liga Inglesa as Raposas conseguiram uma reta final de campeonato a roçar a perfeição - foram sete vitórias e um empate nos derradeiros 8 jogos da Barclays Premier League.
O milagreiro Ranieri
Porém o feito de Nigel Person não impressionou a direção chefiada por Vichai Srivaddhanaprabha e o técnico Inglês acabaria despedido. Para o seu lugar foi contratado o Italiano Cláudio Ranieri, que chegou a Leicester sem ter ganho um único título de campeão em 28 anos de carreira. Meses antes da aventura em Inglaterra o técnico havia sido despedido da seleção Grega, após uma derrota surpreendente contra as Ilhas Faroe, e por isso a sua contratação gerou alguma surpresa. Imune ao espanto inicial, o experiente treinador transalpino preocupou-se essencialmente em ter um bom relacionamento com os jogadores. Esse foi, aliás, um fator fundamental para que tudo desse certo: a união.
Onze base da época 2015/16

Outros jogadores:
Daniel Amartey (D), Yohan Benalouane (D), Andy King (M), Gökhan Inler (M), Jeffrey Schlupp (M), Andrej Kramaric (A), Leonardo Ulloa (A).
A atacar:
Apostavam em ataques rápidos. Não “queriam” ter a bola pelo que raramente tinham mais posse de bola que o adversário. As saídas para o ataque eram muito rápidas e agressivas. Chutar direto na frente permitia, pelo menos, disputar a 2ª bola, onde normalmente tinham vantagem pela sua intensidade no ataque à bola. Quando entravam no meio campo adversário a ordem era para “bater” direto na área, onde tinham, por vezes, quatro jogadores prontos para finalizar. A quase totalidade dos seus golos foram apontados desta forma. O Argelino Riyad Mahrez era exímio com a bola no pé e muitas vezes era ele quem colocava a bola nas costas dos defesas onde estava Jamie Vardy (Apontou 24 golos no campeonato), muito forte a atacar a profundidade.
A defender:
A defender a equipa assumia um 4-4-2 clássico, onde todos os jogadores ficavam atrás da linha da bola. Todos muito juntos para não dar espaço ao oponente. Mais de metade dos golos que sofreram surgiram de remates fora da área, o que mostra a solidez defensiva da equipa. No meio campo a força física de Drinkwater e o “pulmão” de N’golo Kanté davam aos Foxes o equilíbrio defensivo e a intensidade necessários. O guarda redes Kasper Schmeichel fez também uma temporada formidável, anulando as poucas chances que os experientes Wes Morgan e Robert Huth não conseguiam evitar. Defender em bloco baixo era, aliás, uma forma de combater a pouca rapidez dos centrais.
Um clube diferente com pessoas especiais

Fundador e CEO da "King Power Duty free" (principal patrocinadora do clube), Vichai Srivaddhanaprabha - falecido em 2018, aos 61 anos, vítima de um desastre aéreo - detinha a 4ª maior fortuna da Tailândia, algo que lhe permitiu apoiar grandes causas ajudar a cidade de Leicester.
Por isso não será cliché dizer que Leicester já merecia um título desta dimensão. Foram várias as iniciativas e atitudes, principalmente do seu dono, que tornaram este clube tão especial. Vejamos alguns exemplos:
Doou 2 Milhões de Libras a um hospital infantil local em 2016;
Doou também 1 Milhão de Libras a uma universidade de Leicester;
Financiou estudos sobre doenças raras;
Doou 22 mil Libras a um jovem adepto do clube que sofria com o síndrome MECP2;
Para festejar o seu aniversário ofereceu cerveja Singha, originária do seu país natal (Tailândia), a todos os adeptos maiores de idade que marcaram presença no Estádio nesse dia (cerca de 32000 pessoas). Como se não fosse mais do que suficiente, sorteou 60 passes de lugar anual no estádio.
Mas a humildade não se fazia sentir apenas na direção do clube. Jogadores e equipa técnica sempre tiveram em mente a ideia de que só há glória com esforço. Tanto é que a certa altura Ranieri prometeu aos jogadores que lhes oferecia pizzas se conseguissem um clean sheet (não sofrer golos num jogo). Conseguiram, e como prometido o treinador Italiano levou-os a uma pizzaria na cidade. Quando já todos pensavam no que iam pedir, perceberam que estavam sós no restaurante. Aí, Ranieri surpreendeu: "Têm de trabalhar por tudo. E pela vossa pizza, também. Vamos fazer as nossas próprias pizzas", revelou o técnico. Por aqui se via o espírito que reinava no clube.“
A concorrência
Liverpool (8º lugar) e Chelsea (10º lugar)
As grandes desilusões do Premier nesse ano, Liverpool e Chelsea tiveram uma época para esquecer. Tanto um como outro tinham plantéis para tornar a candidatura ao título uma realidade, ou pelo menos para conseguir um lugar nas competições Europeias no ano seguinte. Nos Reds, Jürgen Klopp entrou a meio da época e o melhor que conseguiu foi chegar à final da Liga Europa (perdida para o Sevilha). Por outro lado, a equipa orientada por José Mourinho nunca conseguiu estabilizar ao longo da época. De resto, The Special One seria mesmo despedido no decorrer da temporada (muito por culpa do relacionamento complicado que mantinha com as principais estrelas do clube).
Manchester City (4º lugar)
Naquela que seria a última época de Manuel Pellegrini ao leme dos Citizens, o clube de Manchester não conseguiu levantar o troféu que lhes escapava desde 2013/14. No plantel – patrocinado pelo sheik Khaldoon Al Mubarak – estavam Joe Hart (GR), Vincent Kompany (D), Samir Nasri (M), David Silva (M), Yaya Touré (M), Sergio Agüero (A) ou Edin Džeko (A). A contrastar com uma prestação razoável nível interno, que registou a conquista da taça da liga Inglesa e a qualificação (via campeonato) para a Champions League da temporada seguinte, conseguiram uma bela campanha Europeia. Alcançaram as semifinais da Liga dos Campeões – melhor prestação Europeia até hoje – onde foram eliminados pelo Real Madrid.
Tottenham Hotspur (3º lugar)
O clube Londrino fez uma bela época. Apesar da quebra na parte final da temporada - que permitiu a ultrapassagem por parte do arquirival Arsenal – os Spurs foram os únicos a ameaçar verdadeiramente a liderança do Leicester. No plantel de Mauricio Pochettino, constavam nomes como, Hugo lloris (GR), Kyle Walker (D), Toby Alderweireld (D), Moussa Dembélé (M), Christian Eriksen (M), Dele Alli (M), Harry Kane (A) ou Erik Lamela (A). De resto, Harry Kane sagrou-se o melhor marcador da Premier League. Futebol de qualidade foi nota dominante ao longo da época.
Arsenal (2º lugar)
A equipa orientada por Arsène Wenger até começou bem, vencendo a supertaça Inglesa frente ao rival Chelsea. Mas depois (como já vem sendo hábito) perdeu o comboio do título. O mau começo, contudo, seria atenuado pela passagem da fase de grupos da Champions League (acabaram eliminados pelo Barcelona nos oitavos de final) e pela “conquista” da vice-liderança – que significou ficar à frente do rival Tottenham. No plantel os Gunners tinham em Mesut Ozil (M) a grande vedeta (fez 18 assistências ao longo do campeonato). Mas havia ainda Wojciech Szczesny (GR), Laurent Koscielńy (D), Héctor Bellerín (D), Santi Cazorla (M), Tomas Rosický (M), Alexis Sánchez (A), Oxlade-Chamberlain (A), Olivier Giroud (A), entre outros.
A brilhante temporada do Leicester originou uma grande valorização de jogadores. Na temporada seguinte sairiam do King Power Stadium N’golo Kanté para o Chelsea, por cerca de 36 milhões de euros, e Ryad Mahrez para o Manchester City por cerca de 80 milhões de euros. Ainda na sequência desta época o Leicester atuou pela primeira vez na Liga dos Campeões. Habituados a superar as expectativas, os Foxes assumiram-se como "outsiders" e o sonho só terminou nos Quartos de Final perante o Atlético de Madrid.
Para os adeptos do clube da raposa a continuidade de Ranieri estava mais que certa para todo o sempre, independentemente dos resultados e das classificações. O dono do clube assim não entendeu e a "velha raposa" acabou demitido após uma época instável a nível de resultados. Para trás ficou uma temporada de sonho onde o Leicester e o mundo do Futebol acabaram a festejar. Afinal os milagres existem!
Espero que tenham gostado. Se assim foi, partilhem.
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